domingo, 19 de junho de 2016

Uma relação (sem compromisso) com uma guitarra

Há instrumento mais sensual do que uma guitarra? Só as curvas da caixa dizem tudo… A forma como se toca, o som de cada corda, o entusiasmo de um acorde, o arrepio de um arppegio…

Comecei a tocá-la com cinco ou seis anos. E a verdade é que a minha relação com ela foi tal e qual uma relação amorosa.


Quando comecei, tinha medo. Tocava coisas simples, tentava não me magoar e não estragar tudo. Tinha de me esforçar. Com o passar do tempo, comecei a ganhar mais confiança e a inventar. Passava horas agarrada a ela, a criar melodias e experimentar acordes… Queria que o meu futuro fosse construído com ela.

A certa altura, com os meus 15 anos, comecei a cansar-me. Tocava sempre as mesmas coisas, o mesmo género. Comecei a fazer outras coisas a seguir às aulas e só pegava nela uma vez por semana, na aula de música. Foi nessa altura que me deu para deixar de lado as peças clássicas e dedicar-me ao rock e ao reggae. Se queria que a coisa durasse, tinha de reinventá-la.

E resultou, voltámos a ser unha com carne. Passava a vida a tocar e a cantar, não a largava por nada. Demos alguns concertos juntas, os meus amigos gostavam de nos ouvir.

Mas aos 17, as coisas voltaram a descambar. A exigência era muita e eu não queria esse compromisso. Desisti das aulas de guitarra clássica. Continuava a tocá-la quase todos os dias, mas não com a mesma dedicação.

Foi com essa idade que arranjei um part-time para as duas. Aos sábados à noite, lá estávamos nós a dar música a um grupo de pessoas. Mas era só isso, estritamente profissional. Já não havia a paixão de antes. De vez em quando lá dávamos uns toques juntas e divertíamo-nos a dar música aos vizinhos. Mas fomos nos afastando uma da outra de uma forma muito natural.

Oito anos depois, o part-time chegou ao fim. Uma das cordas partiu-se. Ela ficou enfiada debaixo da cama, dentro de uma caixa que mais parece um caixão. Agora, muito de vez em quando, faço uns dedilhados tristes ou uns acordes enternecedores numa guitarra mais velhinha, de cordas enferrujadas. A outra - por medo, por vergonha ou por raiva – deixei-a debaixo da cama. Continua à minha espera. Sabe que eu vou ter de meter uma coisa na cabeça: já não toco o que tocava. Nem eu, nem ela. Só depois de assumirmos isso é que podemos ter uma relação simples, sem compromissos, apenas dedicada ao prazer.

Sem comentários:

Enviar um comentário